Atos 2.42-47:
Conta-se que um homem visitava um hospício. O enfermeiro
mostrava-lhe pacientemente os vários setores daquela casa. Intrigado com a
flagrante desproporção entre o número de funcionários e o de enfermos ali
internados, o visitante perguntou:
- Vocês não têm medo de que os internos se unam e agridam
vocês? Afinal, eles são em número muito maior!
O enfermeiro respondeu:
- Oh! Não, ninguém precisa ficar com medo. Os loucos nunca se
unem.
As palavras do enfermeiro
parecem ser um diagnóstico de aplicação quase universal. A desunião está
presente nos hospícios, nas empresas, nas escolas, nas famílias e nas igrejas. A
desunião impede que as pessoas alcancem o máximo de seu potencial como grupo,
porque isola os indivíduos. Sozinhos, não podemos muito. Aristóteles, um
importante filósofo, observou que o homem é um ser político, quer dizer, o
homem é um ser que se realiza em ações que envolvem a participação de outros
homens.
Parece que a Igreja
Primitiva trilhava um caminho semelhante. No trecho lido, temos um resumo dos
elementos essenciais do discipulado cristão, com forte ênfase na comunidade, na
comunhão uns com os outros.
É óbvio que nós vivemos
época diferente daquela. Nossos contextos - social, cultural, eclesiástico –
são bastantes diversos. Mas somos a mesma Igreja e servimos ao mesmo Deus. Isso
significa que os deveres impostos por Deus àquela comunidade, são os mesmos
deveres que pesam sobre os ombros da igreja atual.
No livro de Atos é dito
que a igreja foi resgatada mediante um valor muito alto (At. 20.28). E em virtude desse resgate, da soberana escolha de
Deus, da atuação do Espírito Santo, a igreja é preciosa para Deus. Ela é agente
do reino de Deus.
Exatamente por isso, Deus
tem normas específicas para esta igreja. Tais normas devem ser muito bem
observadas por nós, pois nos é dito, também, que Deus é zeloso. Ele cuida e
exige cuidados com a Sua igreja.
Todo esse zelo é
efetivado por intermédio do E. S. É ele quem origina, acompanha, quem dá vida e
sustenta a igreja. Até aqui tudo bem. Os crentes concordam com essas
afirmações. O debate torna-se áspero quando o assunto se volta para temas como:
crescimento, unidade, testemunho.
O livro de Atos retoma a
narrativa de onde o evangelho de Lucas termina: com as aparições de Jesus após
Sua ressurreição. Daí começa a registrar Sua ascensão, a vinda do Espírito
Santo, o início e o progresso da igreja em Jerusalém.
Do ponto de vista teológico, o tema dominante é a atividade de Cristo, realizada
pela atuação do Espírito Santo por meio dos apóstolos. A promessa do
derramamento do Espírito Santo foi cumprida entre os discípulos judaicos no
capítulo 2, e entre os crentes gentios, no capítulo 10; os apóstolos realizam
sua missão no poder do Espírito; a aceitação do Evangelho pelos convertidos é
possibilitada pela ação do Espírito Santo... Em suma, o Espírito é a personagem
central da narrativa.
Uma das características
de Lucas é utilizar-se de resumos da situação da igreja nas várias etapas do
seu progresso. Outros resumos são encontrados nos capítulos 4.32-37 e 5.12-16.
No v. 42, Lucas nos
brinda com a apresentação dos quatro
elementos essenciais na prática religiosa da igreja cristã: a doutrina
dos apóstolos, comunhão, o partir do pão e o louvor a Deus. Então, no v. 47,
encontramos a conseqüência da prática desses elementos: O Crescimento da Igreja.
Em
um presbitério, participei de uma comissão que tinha a missão de formular
estratégias para o crescimento da denominação. Essas estratégias seriam
apresentadas no Sínodo que aconteceria no ano seguinte. Me lembro bem das
discussões. De onde vem o crescimento? É legítimo empregar esse método? Fulano
está fazendo isso e está dando resultados positivos na sua igreja! E coisas do
gênero.
Mas
o que diz a Bíblia, afinal? Nosso texto afirma que o Senhor acrescentava à igreja os
que iam sendo salvos.
A
Bíblia nos ensina que o crescimento de uma igreja:
1.
Não vem do pragmatismo:
O pragmatismo é tido como
a primeira filosofia originalmente americana. Seus fundadores são Charles
Peirce e William James, segundo alguns, inspirados em Ralph
Emerson.
O pragmatismo é uma
doutrina filosófica que se baseia na verdade do valor prático, ou seja, se um
método dá bons resultados, este é um bom método. Julga-se os meios pelos fins!
Desde há alguns anos,
esta tem sido uma tendência avassaladora dentro do cenário evangélico. Métodos,
campanhas, técnicas de marketing, tudo é válido na batalha pelo crescimento da
igreja. O item mais importante do relatório pastoral é o que apresenta a
estatística de sua igreja.
Mas será que o
crescimento do qual acabamos de ser informados por Lucas seguiu técnicas
pragmáticas? Era pragmático ser cristão naquela época?
Vejamos:
* A oposição à expansão do evangelho
começa com a zombaria dirigida contra os apóstolos no Pentecoste (At. 2.13) ð
estes homens haviam acabado de receber o Espírito Santo;
* Continua nos esforços do Sinédrio
para impedi-los de pregar (At. 4.1-3);
* Os apóstolos são presos (At. 5.17-18);
* Estevão é morto por apedrejamento (At. 7.59-60);
* O rei Herodes ordena a morte de
Tiago (At. 12.1-3);
* Paulo é apedrejado (At. 14.19)...
Se o pragmatismo julga as
coisas pelo valor prático, uma conclusão nós podemos adiantar: não era nada pragmático ser cristão naquela
época.
Ora, os apóstolos
trabalhavam pelo crescimento da igreja. Eles faziam isso ensinando e
estimulando a igreja a participarem das virtudes descritas no v. 42. Eles
dariam a própria vida para alcançarem esse objetivo. Surge a questão: Eles não
deveriam adotar um método mais eficaz de pregação? Um que trouxesse menos
transtornos e mais convertidos? Qual foi a atitude deles?
Vejamos:
* Atos 2.40-41 ð testemunho e exortação. Resultado:
quase 3.000 almas;
* Atos 4.1 ð Eles
falaram: a palavra grega laléo (proclamar) Resultado: At. 4.4;
* Atos 5.40, 42 ð Eles
pregavam. Resultado: At. 5.47;
* Atos 14.19 ð Eles
pregavam. Resultado: At. 14.21
Diante disso: ou o
pregador daquela época era um tremendo cabeça-dura ou essa história de métodos,
técnicas, estratégias de crescer igrejas, não faz muito sentido. Porque os
apóstolos, do início ao fim de sua era, utilizavam de um único método de
evangelização: testemunho (vida cristã) e pregação, e o resultado está visível
no nosso texto base: At. 2.47.
Se os apóstolos tivessem
de seguir um método a fim de não serem perseguidos, agradar a todos e, ao mesmo
tempo, produzir o crescimento da igreja, a única alternativa possível seria
perverter o cristianismo, tornando-o mundano. A propósito, não é mundanismo o
que vemos em muitas igrejas de “sucesso”?
Só existe um método legítimo
deixado por Deus pelo qual devemos esperar o crescimento de nossas igrejas: a pregação e a vivência da Palavra de Deus.
(continua)
Rev. Renato Arbués.
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