Reflexão sobre Gênesis 4.8-24
O que está acontecendo com o nosso mundo? O que se passa na cabeça de nossos jovens? Por que tanto ódio, tanta violência? Quais as causas de tantos crimes absurdos cometidos por homens contra homens?
O texto de Gênesis 4.8-24 apresenta-nos o começo da vida organizada socialmente. As primeiras relações familiares e os primeiros contatos entre membros de uma comunidade maior, uma tribo.
Caim, após assassinar Abel, seu irmão, teve que sair de perto de seus pais. Foi expulso por Deus e se instalou na região de Node, ao oriente do Éden, onde deu início ao seu reino. Quando matou Abel, Caim, inconscientemente, cavou trincheiras ao lado de Satanás na luta contra Deus. Desse ponto em diante, a história da humanidade será manchada por ódio, vingança e sofrimento.
No livro do Gênesis, Moisés nos informa como o homem conseguiu dominar os animais, desenvolver a arte, trabalhar o bronze e o ferro. Infelizmente, esse mesmo homem não teve a mesma habilidade para dominar a si mesmo. Não conseguiu refrear sua inclinação para o mal.
O fim dessa seqüência narrativa será o dilúvio. Toda uma geração condenada e perdida. E por quê? Ao respondermos essa pergunta, traçaremos alguns paralelos com os nossos dias, e veremos que nossa geração caminha a passos largos para o mesmo fim.
Em primeiro lugar, aquela geração foi destruída porque perdeu o respeito pela vida.
Na Bíblia, a vida é associada à luz, à alegria, à plenitude e à atividade. Ser vivo é ser ativo, é participar dinamicamente das relações com o mundo e com as pessoas. A vida é, pois, um bem supremo dado por Deus ao ser humano. Um bem que deve ser desfrutado nas interações com outros homens e com o restante da criação de Deus.
Por ser um bem tão importante, há um mandamento específico referente a ele: Não matarás! (Êx. 20.13). Mas, o que lemos acerca de Caim e de seu descendente Lameque é uma total desconsideração ao valor da vida humana. Ambos mataram. E mataram pela mesma motivação: vingança! Eles se sentiram, de alguma forma, prejudicados por alguém e determinaram eliminar o problema. Rebelião e desafio caracterizam a atitude e as ações de Caim e Lameque.
Caim matou o irmão após ambos oferecerem oferta ao Senhor. A oferta de Abel foi aceita; a de Caim, rejeitada. Lendo essa história, no capítulo 4 de Gênesis, encontramos uma frase interessante no verso 7 (o seu desejo será contra ti). A seqüência dos fatos revela-nos que, o que perturbou Caim, não foi o fato de haver sido rejeitado por Deus. Não. O que realmente indignou a Caim foi o sucesso de Abel.
Concluímos isso porque, no nosso entendimento, se a tristeza de Caim houvesse sido causada pela rejeição de Deus à sua oferta, sua atitude teria sido outra. Ele se adequaria aos padrões de Deus e O cultuaria adequadamente. Mas não foi isso que Caim fez. Por quê? Porque esse não era o verdadeiro problema.
O verdadeiro problema era aceitar a angustiante verdade de que seu irmão foi bem-sucedido, enquanto ele, não. Deus disse a Caim: “Se procederes bem, não é certo que serás aceito? Se, todavia, procederes mal, eis que o pecado jaz à porta; o seu desejo será contra ti, mas a ti cumpre dominá-lo”.
São palavras reveladoras, as que Deus diz para Caim: “o seu desejo será contra ti, mas a ti cumpre dominá-lo”. Qual era o desejo de Caim? Destaque, proeminência. Ele queria superar o irmão. Caim deveria ser honrado; Abel, não.
Como não conseguiu alcançar o seu desejo, nem dominá-lo, Caim decidiu matar. Séculos mais tarde, o apóstolo João advertiu seus leitores a agirem “não segundo Caim, que era do Maligno e assassinou a seu irmão; e por que o assassinou? Porque as suas obras eram más, e as de seu irmão, justas” (1 Jo. 3.12).
O caso de Lameque foi muito parecido (Gn. 4.23). Ele matou um rapaz porque se sentiu ofendido. O que o rapaz fez? Pisou o seu pé.
Eis a completa banalização da vida.
Pergunta-se: vivemos dias diferentes? Somos melhores que nossos antepassados? Basta uma rápida folheada nos jornais e testemunharemos que não. Na verdade, não temos nos comportado de forma muito diferente da de Caim e Lameque: Um homem mata a companheira para criar o filho de ambos com uma outra; Rapaz é preso por assassinar o pai; Jovem mata “amigo” com 20 facadas numa briga de bar.
Os diálogos entre pais e filhos são pontuados por agressões de ambas as partes. Marido e mulher se agridem por palavras diante de seus filhos. Nas escolas, crianças ameaçam crianças por coisas de crianças. No trânsito, os semblantes se transfiguram: pessoas irritadas, com dois ou três palavrões soltos na boca e jogados no primeiro que, por descuido, ou por “barbeiragem”, cruzar o caminho. Nas filas dos bancos, reclamações, zombarias, constrangimentos, porque quem nos antecede está demorando.
Onde vamos chegar?
Os cientistas estão preocupados com os efeitos do aquecimento global. Estudos mostram que, a continuar nesse ritmo, em quarenta ou cinqüenta anos, o planeta Terra não será mais um bom lugar para se viver. Mas, o planeta Terra é, hoje, um bom lugar para se viver?
O aquecimento que está condenando as pessoas é o aquecimento de suas emoções. Por qualquer palavra, por qualquer ato, disparamos um canhão carregado de impropérios, xingamentos, ódio e muita, muita ira.
A história de Caim e Lameque nos ensina que o erro não está somente na ação de matar. Está também na atitude, no desejo, no pensamento de destruir o semelhante.
Por conhecer o coração do homem, Deus encheu Sua Palavra de advertências contra a disposição de ofender ou agredir a quem quer que seja. Deus proibiu a mentira, a calúnia e a difamação (Êx. 20.16), as mães de todas as discórdias. Deus ainda proibiu a vingança (Lv. 19.18). E Jesus proibiu até mesmo brincadeiras inconvenientes (Mt. 5.21-22).
Todas essas precauções foram tomadas para que o homem jamais perdesse o respeito pela dignidade da vida humana, pois, a perda do respeito pela vida foi a primeira causa do fim do mundo para a geração de Caim.
Rev. Renato Arbués.
(Continua)