No evangelho de Lucas, precisamente no
capítulo vinte e três, no verso quarenta e quatro, encontra-se uma informação
aparentemente despretensiosa. Jesus estava pendurado na cruz e, dentro de
instantes, morreria. O evangelista informa que “era quase a hora sexta”, quer
dizer, por volta de meio-dia, “e houve trevas sobre toda a terra até a hora
nona”.
Não há erro nesse registro. Porém,
pedindo permissão ao Santo Espírito, autor original da narrativa do evangelho,
sinto-me autorizado a estender a figura. O motivo que levou as trevas a se
estenderem sobre “toda a face da terra”, sem dúvida, foi a morte de Cristo. Os
homens haviam, finalmente, realizado seu grande e único intento: Afastavam
Jesus Cristo de suas vidas, de seu mundo, de sua história, matando-o.
“Afastar Jesus” ainda é o grande projeto
dos homens. Na Idade Média, senhores ilustres proclamaram a autonomia da razão contra
a autoridade religiosa (Igreja), o misticismo, a Bíblia e sua mitologia
(lendas), o obscurantismo. Senhores ilustres promoveram a Ilustração (= Iluminismo,
século XVII), movimento que propunha a independência da razão. Terminava a
escuridão, a tristeza, o atraso, promovidos pela religião, em especial, pelo
cristianismo, a religião do Deus crucificado. Immanuel Kant, no ensaio “Resposta à pergunta: O que é
esclarecimento?”, afirmou: “O
Iluminismo representa a saída dos seres humanos de uma tutelagem que estes
mesmos se impuseram a si.” Tutelagem? Sim, era assim que os grandes
pensadores se referiam ao que a Igreja fazia aos Seus fiéis. Para eles, a
Igreja não ensinava, não pregava, não instruía. Ela tutelava. E toda forma de “tutelagem”
é danosa. Não por acaso, o lema Iluminista era “Sapere Aude”, do latim, “Ouse
saber”, “Atreva-se a saber” ou, como mais comumente se traduz essa expressão, “tenha a coragem de usar o seu próprio
entendimento”.
Faz-se necessário esclarecer a óbvia
ironia do resultado alcançado. Afastando Jesus e colocando a razão em seu
lugar, a humanidade alcançaria as “luzes”, “a Ilustração”, o “Racionalismo”.
Mas, o que a humanidade, de fato, alcançou? De acordo com Lucas, “houve trevas
sobre a toda a terra”. Atualizando a conclusão do autor sagrado, o que os
homens têm conseguido senão, a cada dia, jogar sobre todos nós, mais e mais
trevas, as trevas do ódio, da violência, da promiscuidade, da indiferença,
enfim, as trevas do pecado! Não fosse a tragédia patente na situação, seria o
momento adequado para uma estrondosa gargalhada!
E eis aqui estamos. De novo, os homens
tentam afastar Jesus de suas vidas, de sua história, de suas decisões, de sua
política. E o que conseguem? Pais matando filhos e filhos matando pais; leis
que transformam em direito o que antes era promiscuidade; banalização da vida;
destruição da família; perversão dos valores outrora orientadores da conduta
humana. Dá pra ouvir o apóstolo Paulo sussurrando que os homens “dizendo-se
sábios, tornaram-se loucos”.
Enfim, agora, quem tutela o homem é a
sua razão. Como todos têm razão, ninguém mais pode ser culpado ou proibido de
nada. Como constatou Dostoiévski, no livro “Os irmãos Karamazov”: “Se Deus não existisse, tudo seria permitido”!
E voltamos às trevas!
Pobre Terra!
Rev. Renato Arbués.
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