A
arte é um excelente refúgio. Nela, além da beleza, encontramos alento para as
ansiedades e a agitação, constantes em nossa maneira de viver. Quem não se
acalma ouvindo uma bela melodia clássica? Quem não viaja ao admirar um belo
quadro? Enfim, a arte - todo tipo de boa arte – é um presente do bom Deus para
a humanidade.
Na
arte encontramos temas para reflexão também. A arte, embora não precise ter
essa finalidade como principal função, pode transmitir valores morais, pode
discutir temas complexos e atuais e, assim, servir-nos de consciência crítica. Para
ficar num exemplo, cito o título de uma canção de Tom Jobim e Vinícius de
Moraes: “Se todos fossem iguais a
você”. Conhece? Se não, aqui vai um
trecho da letra:
“Se todos fossem iguais a você
Que maravilha viver
Uma canção pelo ar [...]
Existiria a verdade,
Verdade que ninguém vê
Se todos fossem no mundo iguais a você”.
Ler
essas palavras produz um efeito paradoxal em mim. De um lado, a admiração pela
poesia, pelo capricho na escolha das palavras, pela simplicidade que diz muito,
enfim, admiração pelo gênio do artista. Por outro lado, numa leitura mais
objetiva, menos idealizada, surge a inquietação: “Se todos fossem iguais a mim seria uma maravilha viver?”.
Nós
todos queremos viver bem. Queremos paz, trabalho, segurança, descanso, entre
outras coisas. Para conseguir esse objetivo é que nos relacionamos com outras
pessoas o tempo todo, no trabalho, em casa, na igreja, na escola, na rua. E aí
nasce uma interrogação gigantesca: “Se
todos nós queremos viver bem, se todos procuram os mesmos objetivos, por que,
então, vivemos tão mal?”
Porque
as pessoas são diferentes. Porque a minha idéia de felicidade diverge da sua.
Porque sua maneira de analisar os fatos é diferente da minha. Porque vemos o
mundo com “óculos” distintos. Às vezes andamos na mesma estrada esperando
atingir destinos diferentes; outras vezes, trilhamos caminhos opostos e
esperamos chegar no mesmo lugar. Impossível, não? Então é isso. Nossa vida não
é uma maravilha porque somos diferentes.
Mas,
e esse “mas” não tem intenção nenhuma de ser chato, se todos no mundo fossem
iguais a você? É isso mesmo, e se todas as pessoas do mundo acordassem sendo
iguaizinhas a você? Viveríamos maravilhosamente bem? O mundo seria melhor? Ou
não?
Imagine
se na hora do almoço todas as pessoas comessem como você come. Pense em como
seria nosso trânsito se todos dirigissem da mesma forma que você dirige. Você é
tímido? Imagine um mundo só de pessoas tímidas? Você fala alto? Imagine uma
reunião em que todas as pessoas gritassem o tempo todo? Você é autoritário? Imagine
um debate eleitoral em que todos – candidatos e eleitores – defendessem suas
idéias e opções do mesmo jeito que você faz. Você é simpático e sorridente?
Imagine um jogo de futebol em que os jogadores conversassem mais ou menos
assim:
-
Por gentileza, poderia tocar a bola pra
mim?
- Naturalmente. Assim que conseguir
driblar meu oponente e, claro, pedir a ele que não se ofenda com meu drible,
passarei a bola para você, meu amigão!
Você
conseguiria viver num mundo cheio de você?
Conceda-me
o direito à franqueza: É claro que não seria um mundo maravilhoso. Não por todo
o mundo ser igual a você, não é isso. É que, na verdade, para sermos felizes, nós
precisamos do outro. E precisamos que outro seja diferente para nos completar.
Para preencher o que falta em nós. Para corrigir nossos erros ou para ser
corrigido. Precisamos do diferente para sermos atraídos por ele; precisamos do
outro até para tentar explicar a razão dessa diferença. Enfim, precisamos do
outro para vivermos maravilhosamente bem.
Só
me resta, desconfortavelmente, pedir desculpa ao poeta – ou à sua memória – por
discordar da sua canção. Se todos no mundo fossem iguais a você, o mundo não
seria maravilhoso, seria tedioso. Mas que a canção é bonita, ah, isso é!
É
maravilhosa essa tal de arte, não?
Rev. Renato Arbués.
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