Nos matos de Goiás, há
muito tempo, ouvi a história do Curupira. Um ser encantado, protetor dos
animais e da floresta. Dizem que ele odeia caçadores, lenhadores e pessoas que agridem
a floresta. Ele é um sujeito baixinho, de cabelos avermelhados e pés voltados
para trás. Muito feio, portanto.
Cada personagem
mítico/folclórico possui algo da sabedoria popular. Com o Curupira não é
diferente. Sua história é contada com o propósito de afastar pessoas más do
campo e proteger os animais silvestres. Pelo sim, pelo não, alguns poucos que
ficassem na dúvida quanto a existência ou não desse ser evitavam destruir a
fauna e a flora. Um detalhe, no entanto, chama a atenção: O Curupira faz o bem
se utilizando da dissimulação, do engano, da trapaça. Os pés voltados para trás
servem para despistar seus possíveis perseguidores.
Imagine um pé voltado
para trás! O corpo e a cabeça apontando para uma direção e os pés, para outra.
Eu acho que, às vezes, até o Curupira deve se confundir.
Como sou pastor, tenho
a tendência de espiritualizar quase tudo. Admito que, de vez em quando, a gente
exagera um pouco. Posso estar fazendo isso aqui, com a história do Curupira.
Mas é um risco que corro deliberadamente. Entenderei, portanto, qualquer crítica
feita pelo leitor referente à comparação que farei entre o Curupira e um tipo
de cristão.
Valho-me, deixo claro,
de apenas um elemento estético na rica imagem dessa figura exótica: cabeça para
um lado e pés para outro. Tomo isso como tipo da corrupção da mais nobre
atividade humana: Pensar.
Julgo que nossas
decisões, as mais corretas, são tomadas com a cabeça, aqui na acepção de
entendimento, inteligência, reflexão. Antes de agirmos, pensamos nas
consequências, no passo a passo, nas circunstâncias. Isso, dizem alguns, é ser
racional. E racionalidade, penso eu, é coisa de cabeça.
Depois do planejamento
vem a execução, o agir. Ora, se escolhi bem um caminho, se ponderei as
variáveis dessa escolha, se decidi que, para chegar onde quero, determinado
rumo é o melhor, resta-me segui-lo com firmeza, andar por ele até cruzar a
linha de chegada. Meus pés, agora, serão os responsáveis por essa etapa.
Então, procure
idealizar uma pessoa cuja cabeça aponte para uma direção e os pés a levem para outra!
Essa pessoa seria uma vítima? Teria ela condições de chegar a algum lugar na
vida? Seria, alguém assim, digno de nossa confiança? Mereceria respeito um ser
cuja cabeça aponta para o norte enquanto os pés caminham para o sul? Um
indivíduo assim seria um bom companheiro de viagem?
Na época de Jesus não
se falava de Curupira. Mas, se falassem, certamente nosso Senhor teria feito
referência a ele, quando disse: “Este
povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim” (Mt. 15.8).
Pra quem acha o
Curupira um bicho feio, tente imaginar um ser cujos beiços apontem para o céu e
o coração, para o inferno. Esse bicho existe. Jesus o chamou de hipócrita!
Rev. Renato Arbués.
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