domingo, 27 de outubro de 2013

O COMPLÔ II

Se você acha que o exame das minhas convicções cristãs terminou na reflexão sobre Marx, Nietzsche e Sartre está muito enganado. Há, ainda um outro ponto em que eu quase tropeço: Mitologia. Ouvi tanto que a Bíblia é um relato mitológico, em especial, o da Criação, que, assumo, resolvi aceitar esse ponto-de-vista.

Como fiz antes, decidi examinar mais detidamente a questão. Procurei ajuda, claro. Encontrei-a num artigo de Barboza (Fides Reformata, 2004), intitulado “Gênesis 1.1-2.3: Um texto mítico? Um estudo comparativo de gênero literário”. E o que encontrei?

Em primeiro lugar, definir o que é um mito é uma das tarefas mais divertidas para um filósofo, uma vez que não há consenso entre as escolas sobre esse assunto. A certa altura, lê-se no artigo que o “mito é uma realidade cultural extremamente complexa, que pode ser abordada e interpretada em perspectivas múltiplas e complementares”. E agora? Que perspectiva devo adotar?

Resolvi começar pelo pensamento dos próprios autores bíblicos. Escolhi dois autores do Novo Testamento, um bem diferente do outro: Paulo, filósofo, erudito; Pedro, pescador, homem simples.

Começando com Paulo, encontrei em 1 Tm. 1.4, a seguinte declaração: “nem se ocupem com fábulas e genealogias sem fim, que, antes, promovem discussões do que o serviço na fé”. De novo em Tt. 1.14: “E não se ocupem com fábulas judaicas, nem com mandamentos de homens desviados da verdade”.

Em 2 Pedro 1. 16: “Porque não vos demos a conhecer o poder e a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo seguindo fábulas engenhosamente inventadas, mas nós mesmos fomos testemunhas oculares da sua majestade”.

Em todos os textos, a expressão destacada “fábulas”, do grego, muthos -  mitos. Não sei se você ficou com a mesma impressão que eu, mas, parece que tanto Paulo quanto Pedro odiavam essas “histórias inventadas”, os tais mitos.

Conheço bem o apóstolo Paulo. Leio trechos de suas cartas desde os meus 10 anos. Tenho 41. Jamais pensei em Paulo como um hipócrita. Seus escritos não sugerem isso, a maneira como as pessoas que lidaram com ele o trataram também não dá brechas a esse tipo de diagnóstico. Ele foi espancado por sua fé, perdeu seu status, não pôde desfrutar da convivência familiar como outras pessoas fizeram, tudo por causa do evangelho. Penso que seja por isso que ele odiava pensar que alguém pudesse dar ouvidos a uma “história inventada”, ao invés da mais pura verdade, verdade pela qual ele daria sua vida.

Pedro é outro velho conhecido. Sua reputação é tão honrosa que há quem o tenha como o “substituto de Cristo”. Diz a tradição que ele foi condenado à crucificação. Peidu para ser crucificado de cabeça para baixo, porque não era digno de morrer como Jesus. Um camarada desses jamais aceitaria que comparassem suas histórias com fábulas criadas pela engenhosidade humana.

Penso que isso seja relevante: Os escritores bíblicos sabiam o que era mito e o que era verdade. Abominaram o primeiro e exaltaram a segunda. Aliás, morreram pela verdade. Não posso ignorar isso.

Seja o que um mito for, os escritores bíblicos sabiam que eram histórias bem diferentes das histórias bíblicas.

Continua.

Rev. Renato Arbués.

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